Crônica – Portugal

29/08/2013 12:52

UM SONHO REAL

A vida de sonhos acabou, mas as transformações que ela causou em mim são para sempre.

Hoje faz duas semanas que cruzei o oceano para regressar à vida na minha amada Ilha de Florianópolis. Mas parece que nunca sai daqui; na verdade, já no primeiro dia parecia que eu nunca tinha saído daqui. As coisas estavam iguais. O mesmo quadro torto na parede, os porta-retratos organizados como eu os deixei, as roupas devidamente dobradas no armário, a mesma geladeira cheia e minha linda família reunida à mesa. Me senti no meu lar, no meu lugar e senti uma vontade enorme de não me sentir à vontade e um desejo de voltar para minha outra vida, que agora parece ter sido um belo e intenso sonho. Um estranho sentimento de pertencer e não-pertencer.

Porto, Portugal

 É difícil voltar. Ter novamente uma rotina estressante de estudos, ter que se preocupar com o futuro ou com a violência das ruas, não poder mais dar “um pulinho” no país vizinho no fim de semana, não ter mais a vida agitada e de festas, se assustar com os preços absurdamente caros das coisas e assim não querer comprar nada, perder tempo no trânsito, ter dificuldade para voltar para casa depois das 00h, não ganhar mais 0,01 centavo de troco e  não ter mais a Ribeira. Tudo isso volta a ser parte de sua rotina e ao mesmo tempo que te entristece ou te deixa com muita raiva é algo muito comum e natural. E assim, parece que seu 1 ano longe foram apenas 10 minutos fora de sua cidade. Isso machuca um pouco.

Porto, Portugal

É estranho voltar. As pessoas te cumprimentam como se você fosse a mesma pessoa que elas viram há um ano. Elas não sabem que você deitou na areia do Saara olhando para o céu estrelado mais magnífico da sua vida, que você se embriagou em Ibiza, que você brincou de guerra de neve, que você tomou banho no Mar Mediterrâneo, que você visitou as pedras em círculo do seu papel de parede do computador na infância, que você quase pulou de paraquedas, que você formou uma nova família, que você sofreu por amor, que você dançou até doer o joelho, que você teve que ver suas melhores companheiras partirem, que você se aventurou no meio do mato, que você riu até não poder mais e que seu peito está doendo de tanta saudade. Elas não sabem que tudo isso marcou sua vida, que você mudou; elas não sabem tudo que você viveu. E o pior é que não tem como elas saberem, porque é impossível você resumir em algumas palavras o tanto de experiências e sentimentos de um ano de vida. Assim quando me perguntam “como foi?” me limito a dizer “foi bom”. Isso machuca um pouco.

Porto, Portugal

Eu não estou reclamando de voltar. De verdade, no fundo acredito mesmo que aqui é meu lugar e é nesse país que vou construir meu futuro. É bom rever amigos queridos e ver que a amizade continua e é bom poder apertar sua mãe ou rir com seus irmãos Eu amo minha cidade e sou feliz com minha vida aqui. O que acontece é que o coração ainda está quente com tudo que foi vivido e as memórias estão fortes em minha mente. Às vezes ainda saio de casa em direção ao metro da Casa da Música, pensando em parar na Aliados e subir para a Praça dos Leões para comer um Eclair.  Só depois se torna estranho pensar em fazer isso e é triste pensar que é estranho, que tudo aquilo que você viveu, para a qual você se entregou e que você amava já não faz mais parte da sua vida. De qualquer forma sou muito agradecida por tudo que eu conheci, aprendi, descobri, senti e vivi. E me conforta saber que existe algo que me permite ter a certeza de que não foi um sonho, esse algo é o que está agora dentro de mim e é o que faz a nova pessoa que sou hoje. Além disso, o mais importante dessa minha vida de sonhos eu trouxe comigo, carrego no meu coração e posso vê-los em uma conversa no Skype.

Eliza Simão de Oliveira
 Ciências Biológicas, 10ª fase
Bolsista 2012/2 e 2013/1 na Universidade do Porto em Porto, Portugal.

Crônica – Portugal

22/08/2013 13:36

A VERDADE NUA E CRUA

Nove meses conhecendo o mundo de um jeito que nunca imaginei que poderia. Não coloquei mochila nas costas, escalei montanhas, precisei pedir carona ou passei fome (estilo “Into the wild”). Mas quantas vezes eu quis ligar para casa pedindo socorro!

Perdi o trem na primeira viagem por não ter recebido os bilhetes, comprei novos bilhetes e fui sentada no chão do trem de Milão à Veneza.

Tive que atravessar Roma com malas e tudo para trocar de Hostel no meio da noite por causa de um italiano golpista.

Caí na lábia dos vendedores ambulantes e fui roubada.

Segui fluxo de pessoas para achar o caminho, porque não havia luz suficiente para enxergar o mapa nas ruelas de Veneza, as 5 horas da tarde.

Aprendi que os italianos cobram até pela toalha de mesa quando, no final da conta, apareceu o maldito “coperto”.

Fui obrigada a pagar 7 euros por uma toalha de banho que agora eu divido com a Mari nas viagens (revezamos quem coloca na mala, quem lava o cabelo no dia e a secamos no aquecedor).

Já fiquei em Hostel com pessoas que faziam “mais do que dormir”. Hostel que acabava a água quente. E onde roubaram minha comida da geladeira compartilhada.

Também já abusei da comida que sobra no café da manhã e eles oferecem aos hóspedes.

Já fiz um pote de margarina atravessar a fronteira de três países, e vi 800 gramas de Nutella indo direto pro lixo por não passar na fiscalização do aeroporto.

Conheço mais nomes de supermercados europeus do que pontos turísticos.

Passei mal por causa de uma salsicha em Copenhague e enfrentei um banheiro auto-limpante (limite de tempo de 20 minutos!) com a Mari me esperando do lado de fora e uma garota insistente batendo na porta.

No último ano novo ceei pão com queijo, para assistir os fogos de um lugar privilegiado, e não bebi uma gota de champanhe para turistar cedinho no outro dia.

Fui várias vezes de sombrinha para a balada em Coimbra. E salto aqui, nem tirei da mala.

Mala nem se fala, quantas fiz e desfiz, fora a que foi levada por engano em Munique e a que passou do peso em Paris.

Fiz walking-tour sob chuva em Budapeste e sob neve em Berlim. Também usei o lado de fora da janela para gelar as cervejas nesse dia.

Fingi escolher doces de uma padaria durante horas pra esquentar as mãos e os pés nos dias frios e nunca passei por um Starbucks ou McDonalds sem entrar para usar o banheiro.

Me safei, por muito pouco, por ter comprado o bilhete mais barato de metro do que deveria. E errei a parada da estação mais vezes do que posso contar.

Procurei por horas um panda que já havia morrido. Andei muito pra chegar a lugar nenhum. Perdi a fé no GPS e passei a acreditar mais em placas.

Passei noites sem dormir pra pegar vôos de madrugada e reconheci em todos os meios de transporte uma cama quente e fofa!

Cada viagenzinha surpreendia. As vezes eu achava que nada mais podia dar errado e chovia ou ficava frio e a gente não tinha casaco suficiente, não sei. Mas agora eu penso em todas as situações com um sorriso, imagino a Brenda e a Mari rindo muito quando lerem e espero não ter decepcionado ninguém, muito pelo contrário, provocado o espírito aventureiro de cada um!

Como faz para largar o mundo e voltar a viver numa ilha?

Marthina Wagner Jönk
Engenharia Química
Ciências Sem Fronteiras – Universidade de Coimbra 2012/2013